A Prisão em Flagrante Delito e a Audiência de Custódia: Garantias Fundamentais no Processo Penal Brasileiro

A Prisão em Flagrante Delito e a Audiência de Custódia no Sistema Penal Brasileiro

A prisão em flagrante delito e a audiência de custódia constituem institutos essenciais do sistema de justiça criminal brasileiro, representando, respectivamente, uma medida cautelar de natureza urgente e um instrumento de controle judicial da legalidade, necessidade e proporcionalidade da prisão. Ambos os mecanismos são fundamentais à proteção dos direitos e garantias individuais, bem como à promoção de um processo penal justo, efetivo e conforme os ditames do Estado Democrático de Direito.


1. Prisão em Flagrante Delito: Conceito, Modalidades e Procedimento

Prevista nos artigos 301 a 310 do Código de Processo Penal (CPP), a prisão em flagrante consiste na captura imediata do agente no momento da prática delitiva ou logo após, dispensando ordem judicial em razão da evidência e urgência da situação. Trata-se de uma medida de natureza administrativa e pré-processual, destinada à contenção imediata da conduta criminosa.

O artigo 302 do CPP estabelece as hipóteses legais de flagrância:

  • Flagrante próprio (ou perfeito): ocorre quando o agente é surpreendido no exato momento da prática da infração penal ou logo após tê-la cometido, exigindo contemporaneidade entre o fato delituoso e a prisão.

  • Flagrante impróprio (ou quase-flagrante): verifica-se quando o agente é perseguido, imediatamente após a prática do crime, por autoridade, vítima ou qualquer pessoa, em situação que indique ser o autor da infração. A perseguição deve ser contínua e ininterrupta.

  • Flagrante presumido (ou ficto): caracteriza-se quando o agente é encontrado, logo após a prática do delito, com instrumentos, armas, objetos ou documentos que permitam presumir sua autoria. Exige-se a proximidade temporal entre o fato e a abordagem.

Além dessas modalidades, a doutrina e a jurisprudência reconhecem outras figuras:

  • Flagrante preparado: ilegal, por configurar induzimento à prática criminosa.

  • Flagrante esperado: considerado lícito, uma vez que a autoridade apenas aguarda a consumação do crime já previsto.

  • Flagrante forjado: absolutamente ilícito, por tratar-se de uma simulação deliberada da situação de flagrância.

Nos termos do artigo 301 do CPP, qualquer pessoa do povo pode prender quem for encontrado em flagrante delito, sendo dever das autoridades policiais e seus agentes efetivar a prisão quando presenciarem a situação.

Realizada a prisão, a autoridade policial deverá lavrar o auto de prisão em flagrante, precedido da oitiva do condutor, das testemunhas e do interrogatório do autuado. O auto deve ser encaminhado ao juízo competente em até 24 horas, com cópia integral remetida à Defensoria Pública, se não houver advogado constituído.

2. A Audiência de Custódia: Controle Judicial da Prisão e Garantia de Direitos Fundamentais

Instituída com mais vigor no ordenamento jurídico brasileiro a partir de 2015 por decisão do Supremo Tribunal Federal e positivada pela Lei nº 13.964/2019 (Pacote Anticrime), a audiência de custódia constitui marco civilizatório no sistema penal, ao assegurar o controle imediato da legalidade da prisão e a verificação de eventuais abusos.

Finalidade e Objetivos:

A audiência de custódia tem como escopo a apresentação do preso em flagrante à autoridade judicial no prazo máximo de 24 horas, com os seguintes objetivos:

  • Controle da legalidade da prisão: verificação do cumprimento dos requisitos formais e materiais da prisão em flagrante.

  • Análise da necessidade e adequação da prisão: avaliação da possibilidade de concessão de liberdade provisória, com ou sem fiança, ou da aplicação de medidas cautelares diversas da prisão (art. 319 do CPP).

  • Verificação de maus-tratos ou tortura: oportunidade para que o custodiado relate eventuais abusos praticados no momento da prisão ou durante a custódia.

  • Garantia do contraditório e ampla defesa: assegurada mediante a participação do Ministério Público e da defesa técnica.

Desdobramentos Possíveis:

Com base nas manifestações das partes e no conteúdo do auto de prisão, o juiz poderá:

  1. Relaxar a prisão ilegal: nos casos de ausência de flagrância, vícios formais ou flagrante preparado, por exemplo.

  2. Conceder liberdade provisória: quando não estiverem presentes os requisitos da prisão preventiva (art. 312 do CPP), podendo impor medidas cautelares.

  3. Converter a prisão em flagrante em preventiva: se presentes os requisitos legais e se outras medidas se mostrarem insuficientes para garantir a ordem pública, a instrução criminal ou a aplicação da lei penal.

Direitos Assegurados ao Preso na Audiência de Custódia:

  • Direito à presença de defensor (público ou constituído).

  • Direito de ser ouvido pelo juiz.

  • Direito ao silêncio, sem qualquer presunção de culpa.

  • Direito à integridade física e psíquica.

  • Direito de comunicar-se com familiares.

  • Direito de não ser submetido a tratamento desumano ou degradante.

Conclusão: A Centralidade dos Direitos Fundamentais no Processo Penal

A prisão em flagrante e a audiência de custódia são institutos que, quando aplicados com rigor técnico e observância das garantias constitucionais, desempenham papel crucial na realização da justiça penal. A primeira, como medida excepcional e de emergência, e a segunda, como instrumento de controle e proteção dos direitos do preso, integram o núcleo das garantias de um processo penal democrático.

A atuação diligente de magistrados, membros do Ministério Público, defensores públicos e advogados é essencial para assegurar que a restrição da liberdade ocorra apenas nos estritos termos da legalidade e da proporcionalidade, consolidando um sistema penal que respeite a dignidade da pessoa humana e os princípios basilares do Estado de Direito.

Advogado com sólida formação jurídica e ampla experiência na área penal, atuando com rigor técnico e compromisso ético na defesa dos direitos e garantias fundamentais.